Reprezentação à Academia Real das Ciências sobre a refórma da ortografia | Page 3

Not Available
e em quázi todas as escólas primárias se ensina alguma couza de gramática portugueza. Quanto á latina, de que em outro tempo avia uma cadeira quázi em cada concelho, basta dizer que, fóra dos liceus, os distritos de Leiria e Béja, por ezemplo, tem cada um a sua, e o de Lisboa tem duas; e os dicionários aprezênt?o próvas irrecuzáveis de quanto vai diminuído o respeito pela etimolojia latina.
Desde m[~u]ito, finalmente, que o latim deixou de ser a língua das rela??is internacionais. Quando este ano o mundo católico acudiu ao Vaticano a celebrar o meio centenário do venerável bispo d'Imola, oje assentado na cadeira de S. Pedro, f?r?o bem raros os discursos e missivas em latim. Apenas de Roma vem ás nóssas xancelarias diplomas néssa língua, mas que s?o dados ao público em português. Passár?o de móda as apóstrofes e senten?as latinas, com que d'antes se apimentáv?o entre nós os discursos e escritos; e até já os prègadores quázi si limít?o a dar em latim o tema dos serm?is. De módo que, se ele n?o fora a língua dos ofícios divinos e preparatório obrigado para os estudos superiores, teria já partilhado a sórte das línguas mórtas; e vel-o-íamos em bréve a par do grego, de que temos apenas três ou quatro cadeiras, que m[~u]ito poucos alunos freqüênt?o: como o móstra a d'ésta cidade, onde no ano passado se matriculár?o dois, e este ano nenhum.
* * * * *
Em vista pois de tudo isso que dis o passado e móstra o prezente, a deciz?o da comiss?o axava-se determinada por si mesma. A influência do latim está m[~u]i decadente, e o português afirma nóbre e dezassombràdamente a sua vitalidade e direito a pléna emancipa??o. A nóssa língua tem feito regulàrmente a sua evolu??o na pronúncia, constituindo-se aquí em compléta independência; tentou-se por vezes tornal-a tambem independente na escritura; e foi isto conseguido em parte pela própria for?a das couzas. Parecia pois n?o se poder deixar de realizal-a complètamente, ao tratar-se de dar-lhe uma ortografia nòrmal.
Entendeu portanto a comiss?o, que xegara o momento de estabelecermos a pléna independência da língua em matéria ortográfica; fazendo com o latim, o que os latinos fizér?o com o grego. O latim recebeu intato do grego, o que se julgou apropriado á sua índole e circunstáncias; o que o n?o éra, mas se julgou apropriável, aceitou-se apropriando-o; o que se considerou inapropriável, rejeitou-se. é o caminho que já seguír?o espanhóis e italianos, e que em Fran?a se tem instado e insta para que seja seguido; e n?o crê a comiss?o que possamos seguir outro.
O jénio da língua portugueza definiu-se já bem na sua evolu??o; língua do meio dia, repúgn?o-lhe as asperezas que a acumula??o de consoantes tórna inerentes ás línguas do nórte; a pronúncia jeral admite quázi só as consoantes necessárias á articula??o das vogais entre si. Esse jénio pois, as circunstáncias àtuais da língua, a conveniência de facilitar o seu ensino, as tendências da época, etc., tórn?o impossível o retrocésso, e for?ozo adòtar a pronúncia como baze da ortografia.
Nem podia impedir a comiss?o, de o fazer, a pretendida incapacidade para reprezentar esse importante papel, de que os etimolojistas tem sempre acuzado e continú?o acuzando a pronúncia, atribuindo-lhe uma estrema inconstáncia. Neste mesmo momento acaba de publicar-se em París uma m[~u]ito erudita óbra, cujo àutor (G. Berchère), narrando os m[~u]ito grandes e muitíssimo repetidos esfór?os que em Fran?a se tem feito constantemente para estabelecer a ortografia sónica, se aprás em repetir todas as objè??is que se lhe tem oposto; e néla se dis que ?abandonada aos caprixos da pronúncia, a palavra é como um cavalo indócil sempre pronto a escapar-se?, reclamando que para se assegurar a estabilidade da língua, aquéla se consérve ?amarrada ao póste da etimolojia?.
A comiss?o considéra ésta objè??o sem valor. A pronúncia n?o é imutável; mas, se nós vemos entrar a miúdo palavras nóvas na língua, n?o vemos que se mude sensivelmente a pronúncia das que néla ezístem. E contra a mobilidade natural da pronúncia já se mostrou com a istória na m?o, que n?o é a etimolojia barreira competente. M[~u]ito mais fórte barreira á-de ser o dicionário, onde éssa pronúncia seja determinada, assim como a ortografia; ele fixará uma e outra; ainda mais, ele concorrerá para a unifica??o da pronúncia, porque na escóla nòrmal se ensinará a pronúncia nòrmal, e os professores alí abilitados ir?o derramal-a em todo o país. Se a Academia, como assevéra o àutor citado, domina de tal módo aquéla volúvel Fran?a, que a sua submiss?o é t?o compléta que éla fás passar por ignorante e sem educa??o literária todo aquele que cométe uma falta contra a ortografia recomendada pelo Dicionário, podemos ficar cértos de que os nóssos compatriótas, m[~u]ito dóceis, menos vários e pouco recalcitrantes, se sujeitar?o sem relutáncia e cumprir?o fielmente as prescri??is do dicionário que lhes dérem.
E n?o
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 14
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.